Cansados de perderem dinheiro com o trigo, produtores paranaenses acabaram se tornando, há exatos 40 anos, precursores no cultivo de milho de inverno no Brasil.
Baixa altitude – “Foi uma casualidade”, admite o produtor João Dolphini, de Floresta, município da região metropolitana de Maringá. Ele tinha 25 anos em 1983 e ajudava o pai e os tios nas atividades rurais quando, se recorda, sua família decidiu “largar mão” do trigo, cultivado na entressafra da soja mas que não se desenvolvia bem por causa da baixa altitude local (392 metros). Em seu lugar, a família semeou milho para cobrir o solo e, assim, mantê-lo protegido da erosão.
Inovação – E foi assim, sem saber, que os Dolphini (os irmãos e sócios Nestor, Antônio Luciano, Ormindo, Étore e Ricardo) se tornaram responsáveis por uma grande inovação na agricultura brasileira.
Crescimento exponencial – Aquele plantio seria nada menos que o ponto de partida para o que, por muito tempo, ficou conhecido como milho “safrinha” – o milho de segunda safra que nas décadas seguintes cresceria de forma exponencial pelo país a ponto de se tornar a sua segunda mais importante colheita de grãos, só atrás da soja. Para se ter ideia, no ciclo 2021/22 o país produziu 118 milhões de toneladas do cereal, das quais praticamente 80% durante o inverno, proporção que se mantém no atual período 2022/23.
“Aleatório” – Daqueles cinco irmãos pioneiros, são dois os remanescentes: Étore e Ricardo. E, muito embora o sobrinho deles, João, fosse ainda muito novo na época, sua memória é fotográfica. “O lucrinho obtido na soja ia todo embora com o trigo e o pessoal ficava aborrecido”, comenta. Aí que, segundo ele, em meio a dificuldade, surgiu a ideia de semear milho, “mas foi aleatório, nenhum produtor que tivesse juízo cogitava plantar milho no inverno devido ao alto risco, não tinha seguro, não tinha nada”.
Sem pensar em colher – Juízo nunca faltou aos Dolphini. Aos 83 anos, Étore Cezarini explica que a primeira semeadura eles fizeram sem pensar em colher, apenas para cobrir o solo com palha. E sorri ao lembrar que quando alguns vizinhos viram o que eles estavam fazendo, acharam um despropósito.
Na peneira – “A gente pegou aquelas sementes de milho colhido no verão, praticamente um milho de paiol, porque não era híbrido, e selecionou com uma peneira de mamona”, recorda-se João. Ao abanar, ficavam só os grãos maiores, que assim era selecionados e classificados. Em seguida, iam para uma pequena plantadeira de três linhas na qual havia dois compartimentos, um para as sementes e outro para o adubo. E afirma: “A gente nem colocava adubo, só semente”.
Primeira colheita – Naquele primeiro ano, de acordo com Étore e João, embora tivessem tomado o cuidado de não semear onde já haviam produzido milho no verão, o milharal apresentou um porte baixo. Uma parte a família resolveu gradear e, em outra, achou que valia a pena passar a colheitadeira. Sem imaginar, eles estavam fazendo a primeira colheita de milho de inverno no Brasil, cujos números foram irrisórios.
Na raça – Os Dolphini fizeram tudo por conta própria, sem qualquer orientação agronômica. Até porque, segundo João, nenhum agrônomo seria maluco de orientar sobre algo que parecia tão improvável. “Foi tudo na raça mesmo”.
Cocamar e Agroceres – Nos anos seguintes, animados com os primeiros resultados, eles começaram a ter algum apoio técnico mais específico. Da própria Cocamar, por exemplo, receberam a sugestão de plantar um milho de melhor qualidade. Foi então que, em contato com a Agroceres, importante fornecedora de sementes, se interessaram em ficar com sobras de híbridos comercializados no verão. “A Agroceres vendia para nós por um preço bem acessível para plantar na safrinha. Com isso, a gente começou a plantar pra valer, porque o custo compensava muito”, diz João.
Adubar – Vendo que o milho de inverno apresentava potencial, os agrônomos orientavam os Dolphini a colocar um pouco de adubo. Dessa forma, utilizando híbridos e com adubação, eles foram longe para os padrões da época: chegaram a produzir de 80 a 100 sacas por alqueire (ao redor de 30 a 40 sacas por hectare).
Ureia – Não demorou e os profissionais da assistência técnica voltaram a fazer novas recomendações para aprimorar o cultivo. Ideal, segundo eles, que a cultura fosse turbinada com ureia assim que tivesse o tamanho de 60 centímetros. Para isso, a família investiu na compra de um pequeno cultivador, por meio do qual a ureia era aplicada próximo às plantas de milho. “Aquilo foi dando resultado. Onde se jogava adubo e ureia, começou a dar certo. E aí foram surgindo novas variedades de milho, a safrinha foi pegando força e o vizinhos viram que não era loucura, mas uma nova fonte de renda”, completa João.
Risco – Para completar, os Dolphini sabiam muito bem que estavam lidando com uma cultura de alto risco para o período proposto, o inverno, pois, não raras vezes, tinham sofrido perdas com geadas. A solução foi ajustar o calendário da cultura anterior, a soja, que, de forma gradativa, passou a ser semeada mais cedo.
Mais cedo– João Dolphini explica que, antigamente, a soja era semeada a partir de 15 de outubro e quase sempre esse trabalho só terminava por volta de 15 de novembro. Muito tarde para o milho cultivado na sequência que, assim, ficava sob o risco iminente de ser prejudicado pelas baixas temperaturas. Então, eles e os demais produtores de Floresta que aderiram ao “milho safrinha” passaram a semear soja mais cedo em comparação às outras regiões. “Nosso município ficou famoso por plantar soja bem cedo e a explicação é essa”, completa.
História – Os Dolphini chegaram à região de Floresta em 1958, vindos de Cambé. O pai deles, Cuirico, filho de italianos, era natural de Pirassununga (SP) e, em 1935, decidiu se aventurar pelo norte do Paraná, em busca de oportunidades.
Lavouras brancas – Durante muitos anos só se falava em café, cultura que já na década de 1960 começou a perder espaço para as chamadas lavouras brancas. Em 1965, a família comprou o primeiro trator para a retirada dos cafezais e plantar soja. No ano seguinte, o governo federal lançou um programa para a erradicação dos cafeeiros, mas o golpe de misericórdia na cafeicultura foi, mesmo, a geada negra de 1975. Depois dela, houve uma grande transformação da economia regional, com o êxodo rural e a mecanização.
Crises – O pai Cuirico labutou muito no café, mas essa lavoura não era um bom negócio em Floresta, por causa da baixa altitude. Os cafeicultores sofriam, também, com as crises constantes em função da superoferta e o mercado desorganizado.
Orgulho – Os filhos de Cuirico, a exemplo da grande maioria dos produtores, se renderam à praticidade da soja, prosperaram e a história da família enche de orgulho os seus descendentes. (Imprensa Cocamar)